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Com coronavírus e sem povo, católicos têm Semana Santa de vazio existencial e ritos pela internet
Transmitida ao mundo, a imagem inédita do papa Francisco rezando sozinho na praça São Pedro, no Vaticano, no último dia 27, sintetiza o que os padres brasileiros passaram a experimentar nos últimos dias, durante a Semana Santa.
Seguindo a orientação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o período de celebrações especiais, como as missas de Domingo de Ramos, no dia 5, as encenações da Sexta-Feira Santa e a missa de Páscoa, agora é “sem povo”.
Sem contato com fiéis, padres relatam vazio existencial e a oportunidade de retomar a caridade na quarentena, que coincidiu com a quaresma. Para fiéis, o momento de isolamento devido à pandemia do novo coronavírus é de tristeza, mas com fé. E com transmissões online.
“A Páscoa é o centro do calendário litúrgico, é o que dá sentido ao cristianismo. A culminância está na Páscoa, que é morte e ressurreição de Jesus. É mais do que o Natal, seu nascimento”, diz frei Luiz Carlos Susin, teólogo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
O termo quaresma, assim como a palavra quarentena, deriva do número 40, que são os dias de preparação para a Páscoa. O período chegou a ser maior, de 70 dias na Idade Média, conta Susin.
Hábitos como a abstinência da carne, por exemplo, acabaram sendo adotados pela maioria dos católicos apenas na Sexta-Feira Santa, quando se relembra a crucificação de Jesus, que foi condenado à morte.
Importantes na quaresma, a esmola, o jejum e a oração ganham novos sentidos nos dias de hoje, disse o teólogo. “A esmola não é apenas doar algo para o pobre, mas doar algo que me é necessário. O jejum é sentir falta de algo. É a falta que mostra a dor, que faz ser mais solidário e sensível à dor do outro.”
O medo e a angústia que Jesus sentiu desde que foi condenado à morte têm consolado o padre Ricardo Fontana, da paróquia Santo Antônio, em Bento Gonçalves, na serra gaúcha.
“O sentido vai ser muito mais intenso, e a tendência é de mais pessoas serem atingidas pela mensagem cristã, que não é só a de atrair aglomerações, mas para que sejam mais solidárias, dignas e mais felizes na sua realidade.”
Entre os exemplos de celebrações afetadas pelo novo coronavírus em Curitiba está a missa do padre Reginaldo Manzotti, no Santuário Nossa Senhora de Guadalupe (imagem de capa da matéria).
A igreja, que chega a atrair 3.000 pessoas na Páscoa, agora tem como expectadores fotos dos fiéis espalhadas pelos bancos. A ideia do padre, inspirada em uma ação que ocorreu em uma igreja italiana, tem como objetivo manter os cristãos como parte da celebração.
A tradição será mantida, mas por outros meios: algumas comunidades vão transmitir o ritual pelas redes sociais e, em outras Igrejas, os padres darão a benção pelo sistema drive-thru.
O mundo online também está sendo usado em Goiás, cidade histórica antiga capital do estado homônimo, que neste ano, pela primeira vez em 275 anos, cancelou a tradicional Procissão do Fogaréu.
Marcada pela participação de fiéis segurando tochas e usando indumentária especial, a procissão foi substituída por vídeos dos atos ocorridos nos últimos anos, disponibilizados no site da prefeitura.
A tradição dos dias que antecedem a Páscoa na cidade vem desde o século 18 e atrai 15 mil turistas todos os anos, segundo a prefeitura. Entre os rituais, estão as toalhas colocadas nas janelas das casas, para marcar as passagens das procissões, tradição trazida pelos portugueses.
Na mais conhecida cidade histórica de Minas Gerais, Ouro Preto, a procissão do Domingo de Ramos — data que lembra a entrada de Jesus Cristo em Jerusalém — costuma colocar uma multidão nas ruas.
Neste ano, porém, quando o padre Marcelo Moreira Santiago, 54, olhou ao redor, no adro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, onde fazia a cerimônia de bênção dos ramos, não havia ninguém.
A recomendação da Igreja foi que fiéis colocassem ramos nas portas da casas para serem abençoados na hora da missa. Alguns membros fizeram uma caminhada simbólica do lado de fora da Igreja do Carmo, cuidando a distância de um metro entre eles.
“Muitas pessoas têm nos telefonado dizendo que estão com saudade da presença nas celebrações da missa. Eu podia dizer o mesmo, que celebrando sem o povo, estou com saudades. Calor humano se expressa melhor com a presença”, afirma o padre Santiago.
Fonte: Folha de S. Paulo
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