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Crise climática já agrava secas, tempestades e temperaturas extremas e é irreversível, diz IPCC
Pela primeira vez, os cientistas do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) quantificaram em um relatório o aumento da frequência e da intensidade dos eventos extremos ligados às mudanças climáticas.
O documento, que apresenta as bases da ciência física do clima, foi divulgado nesta segunda-feira (9), assinado por 234 autores de 65 países.
A ciência climática já previa nas últimas décadas o aumento de eventos extremos, como tempestades, enchentes, furacões, ciclones, secas prolongadas e ondas de calor. Agora, com modelos computacionais mais modernos, passou a ser possível atribuir o grau de influência das mudanças climáticas nesses eventos, calculando-se quantas vezes mais frequentes e mais intensos eles se tornam em função do aquecimento global.
O relatório também aponta que alguns impactos das mudanças climáticas se expressam em um prazo mais longo e não são reversíveis no prazo de séculos ou até milênios, como a elevação do nível do mar, o derretimento das placas de gelo e mudanças no oceano, como a acidificação das águas, a elevação da temperatura e a perda de oxigênio.
”Há mudanças irreversíveis mais óbvias, como o derretimento de geleiras: essa água não vai voltar a congelar. E há outras mais sutis, como a perda de biodiversidade. Se uma espécie é extinta, isso não é reversível”, aponta Paulo Artaxo, físico da USP e membro do IPCC.
Ondas de calor já triplicam no mundo atual em comparação com o período de 1850 a 1900 antes das atividades humanas aumentarem a concentração de gases-estufa na atmosfera.
Variações extremas de temperatura que aconteciam uma vez por década hoje podem ocorrer 2,8 vezes no mesmo período e devem se tornar anuais em um cenário de 4ºC de aquecimento global, em que as mudanças abruptas de temperatura podem ser mais intensas, chegando a 5,1ºC de variação.
Já as temperaturas extremas mais raras, que ocorriam uma vez a cada 50 anos entre 1850 e 1900, hoje têm probabilidade de ocorrer 4,8 vezes no mesmo período e podem passar a ocorrer 39 vezes em um cenário de mais de 4ºC de aquecimento global.
As chuvas fortes e as secas prolongadas também ficam mais frequentes e mais intensas. No cenário atual, em que o mundo já se aqueceu 1ºC na média global, episódios extremos que ocorriam uma vez por década já podem ocorrer 1,3 vez no caso das tempestades e 1,7 vez para as secas no mesmo período.
O volume de água das tempestades já é 6,7% maior e pode chegar a 30,2% no pior cenário. As secas agrícolas e ecológicas podem ficar até 4 vezes mais presentes em um período de 10 anos, com solos cada vez mais secos, por mais tempo.
As projeções regionais do IPCC mostram aumento das chuvas fortes no Centro-Sul do Brasil, com grandes volumes de água concentrados em até cinco dias de chuva, enquanto o Nordeste e a Amazônia devem sofrer com períodos secos mais prolongados.
No cenário extremo de aquecimento global de 4ºC, além das mudanças serem mais drásticas nos quadros de chuvas fortes e secas, o país também deve ver alterações mais marcantes no volume de precipitação anual, que fica mais escasso na região Norte e mais volumoso no Sul e Sudeste.
Na maior parte do país região que abrange Norte, Centro-Oeste, Sudeste e parte do Nordeste há projeções de aumento de secas agrícolas e ecológicas para meados do século, em um cenário de aquecimento global de 2°C. Com a aridez, também se espera o aumento de climas propícios para incêndios, com impactos para os ecossistemas, a saúde humana, a agricultura e a silvicultura.
Na Amazônia, o número de dias por ano com temperaturas máximas superiores a 35°C aumentaria em mais de 150 dias até o final do século no cenário de aquecimento global superior a 4°C, enquanto se espera que aumente em menos de 60 dias no cenário de aquecimento limitado a 2°C.
A Amazônia é uma região sensível às mudanças climáticas e é uma das regiões que podem sofrer os maiores impactos, por conta da sua localização tropical. As regiões tropicais vão ser as grandes prejudicadas pelo aquecimento global e isso atinge diretamente o Brasil, diz o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e membro do IPCC.
Ele também cita o impacto do aumento do nível do mar que pode avançar cerca de um metro nas próximas décadas para regiões costeiras, destacando capitais e estruturas como o Porto de Santos.
Produtores de vários estados já sentiram, na última safra, os efeitos da menor umidade oriunda da Amazônia, que está aos poucos se tornando mais seca. Corretivos de solo, fertilizantes, drones e demais tecnologias não conseguirão corrigir os efeitos de temperaturas mais altas e padrões de chuva cada vez mais irregulares, diz Maurício Voivodic, ambientalista e diretor-executivo da ONG WWF-Brasil. Segundo ele, o recado do painel científico da ONU deve ser ouvido pelo agronegócio brasileiro.
A própria ONG também sofreu o impacto dos extremos climáticos em sua atuação no campo. As geadas e temperaturas negativas registradas em julho na região da serra da Mantiqueira (divisa dos estados de São Paulo e Minas Gerais) afetaram diretamente até 80% das áreas em que faz restauração florestal. Em apenas uma das 18 áreas de replantio, a organização contabilizou a perda de 20 mil mudas.
Ao revisar a ciência física do clima, o novo relatório do IPCC também reforça as bases científicas sobre a influência humana no passado e no futuro do clima, detalha a ação de outros gases de efeito-estufa para além do carbono, faz projeções de prazo mais longo sobre o aumento do nível do mar e ainda calcula como os fatores de impacto do clima mudam em todas as regiões do mundo. Na sexta-feira (6), o relatório foi aprovado pelos representantes dos 195 governos que compõem o painel científico da ONU.
O estudo é a primeira parte, dedicada à ciência física do clima, de uma série de quatro avaliações. No próximo ano, o painel científico da ONU deve divulgar as seções sobre impactos, vulnerabilidade, adaptação e mitigação. Há ainda uma última edição de síntese que concluirá o sexto ciclo de revisões da ciência climática do painel científico da ONU. Desde 1988, foram cinco grandes relatórios que revisaram o conhecimento científico global e alertaram o mundo sobre a crise climática.
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PRINCIPAIS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DO IPCC
– Aumento de temperatura provocada pelo ser humano desde 1850-1900 até 2010-2019: de 0,8°C a 1,21°C;
– Os anos de 2016 a 2020 foram o período de cinco anos mais quentes de 1850 a 2020;
– De 2021 a 2040, um aumento de temperatura de 1,5°C é, no mínimo, provável de acontecer em qualquer cenário de emissões;
– A estabilização da temperatura na Terra pode levar de 20 a 30 anos se houver redução forte e sustentada de emissões;
– O oceano está esquentando mais rápido inclusive em profundidades maiores do que 2.000 m do que em qualquer período anterior, desde pelo menos a última transição glacial. É extremamente provável que as atividades humanas sejam o principal fator para isso;
– O oceano continuará a aquecer por todo o século 21 e provavelmente até 2300, mesmo em cenários de baixas emissões;
– O aquecimento de áreas profundas do oceano e o derretimento de massas de gelo tende a elevar o nível do mar, o que tende a se manter por milhares de anos;
– Nos próximos 2.000 anos, o nível médio global do mar deve aumentar 2 a 3 metros, se o aumento da temperatura ficar contido em 1,5°C. Se o aquecimento global ficar contido a 2°C, o nível deve aumentar de 2 a 6 metros. No caso de 5°C de aumento de temperatura, o mar subirá de 19 a 22 metros.
fonte; SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) –
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